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Luiz Soares: uma vida de militância pela saúde

Publicado em:
2 de abril de 2018

WhatsApp Image 2018-04-02 at 07.23.22O Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems/MT) quer saber, o que pensa um dos ícones da gestão em saúde de Mato Grosso Luiz Soares? Nós realizamos uma entrevista para lá de interessante com o engenheiro sanitarista formado pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em 1987.

Com 59 anos, Luiz possui Especialização em Saúde Pública e Especialização em Planejamento Estratégico em Saúde, ambos pela UFMT. Há 32 anos atua, de forma direta e indireta, na organização em serviço pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Foi presidente por dois mandatos (2001-2005) do Cosems/MT e foi diretor administrativo do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) por outros dois mandatos (2005-2009).

Confira a seguir a entrevista feita com Luiz Soares.

Cosems: Luiz, descreva um pouco sobre você e sua relação com o SUS.

Luiz: Sou engenheiro sanitarista, servidor público de carreira. Comecei minha trajetória na Secretaria Estadual de Saúde, depois fui para Funasa (Fundação Nacional de Saúde) e completei essa militância como gestor, à disposição dos municípios. A minha militância é toda dentro do SUS, em processos de organização do serviço, estruturação das secretarias, enfim, organizando o serviço na ponta tanto em Mato Grosso como para o Brasil. Inclusive, é importante frisar que o Pacto de Gestão do SUS, que vale para todo o país até hoje, foi consolidado em Cuiabá em 2006.

Cosems: Conta-nos um pouco sobre como começou o Cosems, até porque ele antecede o próprio Conasems e o SUS.

Luiz: O Cosems/MT surgiu na década de 80, como um movimento pré-municipalista com o intuito de cuidar do ente municipal já em pleno movimento da Reforma Sanitária de 86. Ainda no âmbito do decreto-lei número 200 com as ações integradas e posteriormente o SUS. O Cosems de Mato Grosso foi criado e logo algumas outras entidades também, com as mesmas características, foram criadas nos outros estados. A união disso fez o Conasems como entidade nacional.

Enfim, a necessidade da militância na saúde, preocupada com as questões inerentes aos processos de organização do ente municipal, foi um caminho natural pra formação da entidade e fortalecimento dela da sua existência até hoje. E isso culminou em todo o processo de Reforma Sanitária e do que existe hoje. Graças a esse processo de construção coletiva do SUS ao longo de todo esse tempo, o movimento nas universidades e de alguns gestores liderados por alguns municípios naquela época, proporcionou um processo orientativo para gente lá trás.

Na época tivemos algumas experiências municipais interessantes, a própria Cuiabá com os distritos sanitários quando ainda era secretário o Júlio Müller.  Que eu me lembre, tiveram algumas experiências em Uberlândia, São Paulo, Cambé no Paraná e assim por diante. No Brasil inteiro surgiram algumas experiências bem sucedidas com relação a esse processo de organização de ponta, e isso foi se consolidando em meio a um movimento proativo de luta em prol da Reforma Sanitária e do processo de organização do SUS ao longo desses 30 anos

Cosems: E como era o Cosems antes do SUS e do Conasems?

Luiz: Os Cosems surgiram dentro no movimento pró-SUS. O que quer dizer que tínhamos poucas experiências em termo de consolidação da entidade que lutava, que se organizava em prol desse municipalismo mais proativo. Isso surgiu praticamente na década de 80 com todo esse movimento vindo de uma base pensante acadêmica das universidades e com o envolvimento da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). Todos esses movimentos genuínos lá de trás que se organizaram para consolidar isso. Então, basicamente não tinha os Cosems e o Conasems nesse movimento, que nasceram na década de 80 com o processo de transição das AIS (Ações Integradas de Saúde) até o SUS.

Cosems: E depois do SUS, qual foi e qual tem sido o papel do Cosems?

Luiz: Esse papel é aquele eterno caminhar de avanços e recuos de todos nós militantes, uns mais outros menos, uns no meio acadêmico outros na prática cotidiana de organização, com mais ou menos compromisso, nesse processo de construção social do SUS. A gente avança em alguns momentos da política, dá uma parada estratégica em outros, mas esse processo continua, mesmo que lento e sem muita visibilidade hoje. Parece-me que se esgotaram todas as estratégias, tudo que a gente podia fazer em termos de dar um aparato legal, organizativo do SUS para que ele avance e conquiste aquilo que realmente todos nós lutamos ao longo desse processo todo, para termos um serviço organizado, de forma equânime, que atinja os objetivos e os princípios que estão estabelecidos na legislação brasileira.

Em termo de legislação, nós temos um vasto arcabouço institucional instituído aprovado nas três instâncias de negociação coletiva, nível nacional, estadual e também consolidado nos Conselhos Municipais de Saúde. O que me parece é que está faltando um pouco de fôlego, de habilidade nesse processo de articulação interna e fora do SUS, para que essas coisas se juntem com uma força que revigore todo esse espírito de luta da organização do Sistema único. Nós estamos em um estágio de letargia institucional ou profissional, e isso está na consciência do coletivo de cada um, tanto dos usuários, como dos profissionais, como das autoridades que cuidam desse setor, que sabem que nós não avançamos ainda o necessário para resgatar o que está na constituição de fato, que se traduza num processo de direito de cidadania do povo brasileiro, mato-grossense. Mas é um processo, continuamos a luta e esperamos que outros atores incorporem nesse sistema e que as instituições, o Ministério, a Secretaria Estadual e as Municipais, junto com os órgãos colegiados Conasems os Cosems de cada estado, também revigorem esse espírito de engajamento, que realmente despida de todo o processo de vaidade, que tenha como foco o empenho e um pouco mais de dedicação nesse processo de organização do SUS.

Cosems: E ao longo desses 32 anos de Cosems, 30 anos de SUS, quais que são os pontos mais marcantes para o senhor?

Luiz: O que marcou e continua marcando é esse processo, esse caminhar na organização do SUS que precisa trazer resultado efetivo para o conjunto da sociedade, no campo da gestão, no campo da assistência de saúde, no campo do financiamento. Avançamos em algumas políticas, mas elas não estão consolidadas ainda e isso precisa se traduzir em ações concretas. Não dá mais para fazer o jogo de empurra, hora a culpa é do Ministério, hora do Estado, hora dos gestores municipais. E nesse processo de luta quem sempre está mais vulnerável é o conjunto dos municípios.

Uma vez em que as políticas, no aspecto legal de rotinas organizativas, tende a seguir um caminho planejado, articulado e com a nossa participação, é necessário que exista espaços de negociação e de planejamento dessas ações nos campos da gestão, da assistência e no campo dos movimentos sociais para poder cuidar disso, fazer a fiscalização disso, e possibilite que tudo aconteça de forma produtiva.

Então, eu acho que nesse campo avançamos bastante. Eles estão bem consolidados do ponto de vista desses espaços de movimentação, tanto da sociedade como dos profissionais com as suas expertises, e também no campo jurídico, legal, que determina o que deve ser feito. Agora, essas coisas ainda não se cruzam numa harmonia, engrenagem, capaz de traduzir a satisfação, o bem-estar na área da saúde daquilo que o sistema foi proposto, para garantir a assistência como direito de cidadania da população brasileira. Então, o que está faltando para que isso se traduza em realidade? Falta engajamento, vontade política, expertise técnica? Elas estão aí, agora como capitalizar isso acho que depende de cada um de nós retomarmos esse vigor e partir para luta constante com apoio, buscar parcerias de todas as formas e traduzir isso em realidade.

Cosems: E o que esperar do SUS e do Cosems para os próximos 30 anos?

Luiz: Esperar do SUS é que ele se concretize de acordo com o que está determinado para ele, que ele consiga dar conta daquilo que a sociedade precisa no campo da saúde, ofertar processos que garantam de fato, verdadeiramente, melhoria e qualidade para o povo. Isso é o que esperamos do SUS e das instituições que o compõe e de como ele está organizado, isso me parece ser fato real do ponto de vista das políticas… está faltando política? Não, às vezes está faltando um ajuste aqui, outro ali, mas as políticas existem e ela é bem ampla no aspecto geral do que a gente necessita hoje, isso é um aspecto positivo. Agora o outro é esse processo de consciência coletiva da sociedade para garantir de fato e de direito que isso se traduza em realidade. Aí é mais difícil, porque do ponto de vista dos planos, da concepção, daquilo que eu espero enquanto uma coisa normativa, técnica, eu sei como ligar, mas os cenários, os espaços de negociação que dependem da interação de um conjunto de habilidades da sociedade não estão garantindo isso de fato. O que está faltando aí, no meu entendimento, depende de uma série de fatores, escolher bem os nossos representantes nos três níveis de governo, tanto de presidente, como de governos, seus prefeitos e seu conjunto de agentes locais, como o processo de organização da sociedade, porque só a garantia legal de formação de conselho não garante. Isso porque, pelo tempo de 30 anos, mostrou-se na prática que ainda falta muita coisa para que a sociedade se mobilize de forma verdadeira e que garanta esses direitos conquistados na constituição de 88 e de toda a legislação que embasa, que organiza o SUS. No meu entendimento essa vertente, esse viés é que precisa ser trabalho para que junte a vontade política e técnica de quem cuida disso, na parte do desejo maior da sociedade com seus conjuntos de ações para garantir o controle social e a efetivação de suas políticas.

Cosems: O Cosems, desde seu surgimento, tem mudado o seu papel ou tem sido o mesmo?

Luiz: O Cosmes de Mato Grosso, que conheço mais, cumpriu e continua cumprindo seu papel, mais ou menos, em determinados momentos dessa travessia, dessa trajetória. Talvez fosse um pouco mais proativo no passado por exigência de um conjunto de fatores de ordem política, de ordem técnica, de ordem de engajamento das pessoas que estavam aí. Tem-se um processo de acomodação natural que acompanha o próprio movimento dos níveis superiores, do próprio Conasems como entidade nacional, e que os Cosems nos estados reproduzem aquilo que a entidade de nível nacional faz. Se lá enfraquece, não tem um vigor de renovação, isso também se traduz nos estados, não dá para separar isso.

É preciso continuar em movimentos focados e proativos sempre. Não é proibido inovar, nunca foi, e inovar passa por um processo de renovação dos seus quadros, como das pessoas que vem para essa militância do SUS de maneira mais organizada do ponto de vista formal, quando vem para dentro dessas instituições ou com ela cria um vínculo de visibilidade, de trabalho e de movimentação para que as coisas aconteçam, isso é necessário uma renovação sempre. Não talvez de renovação de pessoas, não se trata disso, mas renovação nas práticas, porque precisamos estar sempre evoluindo, porque o mundo não para e se a gente fica olhando isso só por uma vertente nós perdemos o movimento geral e a concepção das coisas. É preciso ter um olhar não mais só na árvore e talvez enxergar uma floresta inteira.

O Cosems tem um papel fundamental em estar atento nesse processo de renovação constante no qual a inovação e a renovação constante precisam estar presentes no nosso cotidiano. Às vezes, não para enfrentar uma situação com as mesmas armas que enfrentamos no passado. Temos que buscar parcerias, porque se for enfrentar com as mesmas armas, somos superados em uma estratégia e perdemos uma batalha. Eu acho que o importante do colegiado do Cosems é sempre imaginar que a gente pode perder algumas batalhas, ganhar outras, mas a guerra precisa ser o nosso foco, porque o que a gente precisa ganhar é a guerra e que perder muitas batalhas e ganhar muitas é a nossa função.

Cosems: Qual tem sido a importância do Cosems para o interior e para a população?

Luiz: Eu não consigo enxergar no colegiado uma visibilidade da população. O Cosems tem mais visibilidade para o conjunto de gestores ou para os técnicos das secretarias. A importância estratégica dele é continuar focado numa instituição que apoie e ajude os municípios a se inteirar num processo harmônico de cooperação técnica, para que junto com os técnicos daqui e ajuda dos municípios consiga superar os entraves e as resistências que temos cotidianamente no entendimento desse arcabouço legal que gere e que impulsiona o SUS, como também a inter-relação técnica de expertise, de estar superando as barreiras num modo operativo do conjunto de ações que são organizadas na ponta.

Agora, se você for fazer uma aferição da população em si, ela desconhece o Cosems como entidade, e nem é culpa dela, a população não tem que entender isso mesmo. O que ela precisa saber é que por trás de todo o conjunto das coisas existe uma instituição que apoia, que ajuda os municípios para trazer melhorias e qualidade de vida para a população lá na ponta, que a comunidade não está sozinha, que ele tem o colegiado como elemento a mais para ajudar nos processos locais de gestão, tanto prefeito como o secretário a melhorar os seus serviços em nível local.

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